O encontro de Lady Gaga com Dalai Lama chamou a atenção nas mídias sociais e convencionais. O nome da cantora e atriz chegou a ficar em 1º lugar entre os assuntos mais comentados do Facebook.

A imprensa internacional já noticiava que Lady Gaga estaria banida da China devido ao encontro com o líder religioso que vive um confronto com o país. Os jornais locais decidiram boicotar a popstar e escreveram artigos criticando a postura dela e chamando-a de "ingênua política por encotrar-se com alguém que fere a sociedade chinesa".

Em contrapartida, o site de jornalismo digital Quartz publicou um extenso artigo defendendo Gaga. Confira, na íntegra, a tradução:

O encontro de Lady Gaga com o Dalai Lama na segunda-feira fez com que a censura Chinesa restringisse questões quanto a divulgação de notícias sobre a cantora, e convocasse uma proibição de streaming de suas músicas on-line no país mais populoso do mundo.

Hoje (29) a mídia estatal da China levou as coisas um passo adiante. O Global Times, tabloide apoiado pelo Estado, publicou um editorial intitulado “Lady Gaga é politicamente ingênua, ou apenas quer chocar?”. A alegada falta de sucesso, na China, da cantora, explica seus erros políticos, argumentam:

Gaga é suficientemente bem-sucedida nos mercados ocidentais. Mas, até agora, ela não tem caído muito no gosto do mercado chinês. Esta é, provavelmente, a razão pela qual ela teve esse diálogo cheio de atenção com o Dalai Lama, e não considerou os sentimentos do povo chinês.

Gaga, 30 anos, gosta de ser original e única, embora possa não ser experiente no que diz respeito a política. Muitos chineses já ouviram falar sobre ela e também há alguns que gostam de sua música. Contudo, quando se trata de política e ética, ela está longe de conquistar a sociedade chinesa. Este incidente foi, sem dúvida, o que a levou a perder pontos no coração dos chineses. Mas ela não é nociva à sociedade chinesa. Porém, logo depois, alguns internautas a provocaram e meios de comunicação escreveram artigos e comentários, o incidente acabará em breve com um sabor amargo na boca.

O op-ed não menciona que uma das principais razões de Gaga "não ter entrado inteiramente" no mercado chinês é que a maioria das suas canções é proibida por "danificar a segurança cultural da nação". Seu álbum ARTPOP foi aprovado para lançamento só depois de modificarem a arte da capa, colocaram meias nos pés da cantora.

Independente da censura da Global Times, ela parece ter muitos fãs na China, incluindo mais de 2 milhões de ouvintes (links em chinês) no QQ Music, um dos streamers de música mais populares da China.

E chamá-la de politicamente ingênua, é, francamente, ingênuo. Ao longo de sua carreira, Gaga escolheu conscientemente defender causas políticas e sociais, tanto dentro como fora dos EUA. É difícil imaginar que ela acidentalmente sentou-se com o Dalai Lama, que é um defensor de longa data da autonomia do Tibete, e, portanto, um inimigo de Pequim, sem pensar nas implicações.

Lady Gaga foi sincera em seu apoio à comunidade LGBT da Rússia, por exemplo, que tem enfrentado um aumento da repressão nos últimos anos. Ela confrontou abertamente o governo russo na "Born This Way Ball", em 2012, ela disse ao público:

"Acredito que homens e mulheres merecem amar uns aos outros igualmente", e completou: "Prendam-me! Eu não me importo, porra.

Mais tarde, ela pediu um boicote dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2014, em Sochi.

Eu só acho que é absolutamente errado tantos países darem dinheiro e [apoiar a] economia de um país que não apoia os gays... Isso não se trata simplesmente de apoiar a comunidade gay, eles usam spray de pimenta e batem neles na Rússia.

Em sua página no Facebook, ela escreveu:

Enviando coragem a todos LGBTs na Rússia. O aumento do abuso governamental é arcaico. Agredindo adolescentes com spray de pimenta? Espancamentos? Rússia? O governo russo é criminoso. A opressão se reunirá com a revolução. LGBTs russos, vocês não estão sozinhos. Vamos lutar por sua liberdade. Por que você não me prendeu quando teve a chance, Rússia? Porque você não responde isso para o mundo?

Ela também condenou a repressão da polícia turca na Parada do Orgulho Gay de Istambul em 2015.

Istambul? Quem são esses "líderes"? Parem de atacar pessoas inocentes felizes que estão apenas comemorando, isto é loucura! Isso é desumano!

Ativismo não é um hobby para Gaga. Com o passar dos anos, ela tem mostrado o seu apoio constante pelas vítimas de abusos sexuais, a igualdade de gênero e os direitos LGBT. Estas são causas que, ao contrário do que o Global Times escreveu, atraem profundamente a pelo menos uma parte da população chinesa mais jovem.

O encontro de Gaga com o Dalai Lama merece ser destacado em especial. Alguns empresários e celebridades estão dispostos a criticar a repressão dos direitos humanos do Partido Comunista Chinês, para que eles possam continuar a acessar o grande mercado do país.

Isso é fato, ainda que eles estejam dispostos a enfrentar outros governos. Mark Zuckerberg, por exemplo, criticou abertamente o desligamento do WhatsApp no Brasil alguns meses após a publicação de fotos dele com Lu Wei, oficial executivo encarregado da segurança e política de internet na China. Czar, operadora de internet do país, tem travado uma guerra contra a informação aberta na web.

No mesmo op-ed, a Global Times considera Lady Gaga atípica:

Nos últimos anos, mais e mais celebridades do ocidente em diversas áreas tem evitado associação com o Dalai Lama. A vastidão do nosso mercado ordenou mais respeito, o que é bom para o nosso país. As atitudes de Lady Gaga são fora do comum, mas é improvável que seu forte caráter seja amplamente imitado no Ocidente.

O patrimônio de Lady Gaga é estimado em $275 milhões de dólares, embora boa parte de sua música não esteja disponível no "grande" mercado da China, talvez por isso ela decidiu que apenas não precisa de mais dinheiro. Ao invés de ser "politicamente ingênua", seu encontro com o Dalai Lama pode ser uma declaração cuidadosamente analisada destacando um dos piores medos do Partido Comunista, ela simplesmente não se importa com o que eles pensam.

Tradução por Narles e Genilson Paranhos
Revisão por Fellipe Pepi